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Um espaço de análise econômica, antropológica e social

domingo, 29 de novembro de 2009

"Os Aspectos Políticos do Pleno Emprego" - Michal Kalecki 1943

O texto de Kalecki de 1943, nos elucida sobre a problemática do pleno emprego e suas derivativas políticas. Para tal, foram destacados dois aspectos importantes: a moral capitalista, vista do ponto de vista de Weber e a idéia do progresso positivista.

Do ponto de vista da análise weberiana do espírito capitalista, podemos afirmar que o Estado ao intervir na economia ativamente por meio da despesa governamental fomentando assim o pleno emprego, está a desrespeitar por assim dizer as regras laissez-faire do mercado. Regras essas que postulam que somente devemos usufruir daquilo que realmente batalhamos por. Podemos dizer que na sua essência, a moral capitalista tem uma base sólida, mas contudo, dessa mesma base sólida é criado um sistema que vive em constante atrito com o seu próprio ser.

Explicando melhor, uma política de pleno emprego via gasto governamental, é baseada também numa política de subsidio ao consumo via pensões familiares, manutenção dos preços dos produtos essenciais baixos, etc. É exatamente nesse ponto que a óptica dos lideres empresariais, baseada na ética capitalista entra em contrariedade com a política de pleno emprego. Isso porque as políticas de manutenção do pleno emprego tiram o esforço que cada um tem de efetuar para obter o pão de cada dia. Digamos que na teoria a ética capitalista tem o seu fundamento se vivêssemos num mundo perfeito e imaculado que tanto a teoria clássica prevalece em seus postulados do equilíbrio. Contudo, como não existe tal equilíbrio, uma política de pleno emprego instituída pelo Governo, é sempre um escape aos gritantes termos de desigualdade entre as esferas de uma mesma sociedade.

Vale dizer que no sistema capitalista que está instituído nas nossas sociedades, o nível de emprego deriva proporcionalmente do estado de confiança que os empresários têm da economia do país. Logo, se não houver confiança do empresário nas decisões estatais, o nível de investimento irá obviamente cair e conseqüentemente o nível da Renda e pior, o nível de emprego. Existe um parênteses a ser feito. O nível de confiança empresarial em relação às decisões estatais, recaem sobre a inexistência do controle estatal sobre qualquer esfera da economia, i.e, o laissez-faire, a mão invisível de Adam Smith. Se o controle estatal é verificado através da criação de gastos governamentais para estimular a criação de empregos, é temido a geração de déficits orçamentários, que vai de frente com os postulados das finanças sadias, isto é, em termos gerais a premissa do Débito = Crédito.

Chegamos então à conclusão de que o “problema” do pleno emprego não é econômico uma vez que a lógica do “pleno emprego, baseada na despesa governamental financiada por empréstimos, não usurpa os lucros porque não envolve tributação adicional” (KALECKI, 1990:54). É então de cunho político o “problema” do pleno emprego. Político uma vez que os postulados do pleno emprego recaem sobre o equilíbrio entre as forças produtivas e as forças contratadoras, isto é, toda a força de trabalho estaria empregada pelo salário que querem receber.

É exatamente neste ponto que a discussão do pleno emprego se torna política. Os empresários, donos dos bens de capital, preferem a estabilidade ao lucro, preferem ter lucros menos gigantescos a ter de se preocupar com a classe trabalhadora que doravante está mais organizada em sindicatos que perseguem seus patrões por melhores condições de trabalho e salários mais honestos. Para sustentar esta teoria, nas palavras, o próprio Kalecki:

...sob um regime de permanente pleno emprego, a demissão de empregados deixaria de exercer sua função de medida disciplinar. A posição social deixaria de exercer sua função de medida disciplinar. A posição social do patrão estaria minada e cresceriam a autoconfiança e a consciência da classe trabalhadora...É verdade que os lucros seriam mais elevados em um regime de pleno emprego do que o são em média no laissez-faire...mas os líderes empresariais apreciam mais a “disciplina nas fábricas” e a ”estabilidade política” do que os lucros. Seu instinto de classe lhe diz que, de seu ponto de vista, um pleno emprego durável é insano, e que o desemprego é uma parte integrante do sistema capitalista normal.” (KALECKI, 1990:56)

Em outras palavras, o capitalismo sujeito a intervenções governamentais no sentido do pleno emprego fica dependente de um “ciclo econômico político”, permanente e oscilante, ou seja, ora com prosperidade ora recessão.

Para demonstrar sua teoria, Kalecki faz uma analogia direta do fascismo, em que sua função direta era tirar de discussão toda e qualquer objeção capitalista ao pleno emprego. Isto acontecia uma vez que o poder estatal estava impregnado em todas as esferas da sociedade e logicamente da economia. Ao contrário da Democracia, a crise de confiança – que já vimos antes afeta no sistema capitalista a geração de pleno emprego – deixa de existir no fascismo, uma vez que se na democracia existe a confiança/desconfiança em um próximo governo, no fascismo, não existe um próximo governo, logo não existe crise de confiança na iniciativa privada.

É lógico dizer-se que num estado fascista, a geração do pleno emprego está assegurada uma vez que ha sempre constate necessidade de construção de armamento e seus derivados, logo todas as forças produtivas estão em “força máxima”, sem haver portanto capacidade ociosa na economia.

As discussões sobre o uso ou não do pleno emprego pelo Estado têm vindo a perder um pouco a sua força, isto porque quando a economia está em crescimento, as premissas liberais indicam que o Estado nada deve fazer senão deixar o mercado fazer o seu “trabalho”. Mas quando há uma depressão, é inequívoca a intervenção estatal para conter em primeiro plano a expansão da depressão e em segundo plano, fomentar o início da recuperação. Contudo, os lideres empresariais continuam a opor-se à intervenção estatal, uma vez que ainda existe um conflito na questão do destino da intervenção estatal e também no fato de que essa intervenção deveria ser feita para aliviar o estado de depressão ou se é feita com o intuito de implementar permanentemente o pleno emprego.

Há no entanto, o estímulo ao investimento privado como solução para uma possível crise. Este estímulo é criado através de duas alternativas distintas: redução da taxa de juros ou do imposto de renda e também através de um subsidio direto ao investimento privado. Contudo, apesar de ser um tratado mais do que atraente para o investidor privado, este investidor somente irá ser compelido a investir caso o estado de confiança no governo e/ou Estado estiverem em alta; caso contrario, ele não investirá e voltaremos à hipótese de ser o Estado como o principal comandante do investimento como saída de uma crise. A titulo de exemplo, quando a crise imobiliária americana estourou em Setembro de 2008, sob o olhar e atuação invisível (como premissas do capitalismo e liberalismo) do Estado americano, várias empresas de vários setores da economia faliram. Instaurou-se uma crise de confiança do governo Bush de tal modo que esse mesmo governo assumidamente neo-liberal predispôs-se a utilizar de meios de controle estatal para “salvar” a economia da nação mais poderosa do mundo economicamente, criando assim, como que da noite para o dia, a maior empresa estatal do mundo, a General Motors, vulgo GM.

Concluindo, as análises de Kalecki são bastante pertinentes na medida em que ao mesmo tempo em que é favorável ao Estado interventor, ele se inclina à percepção de dominação indireta das ações de governo pelo sistema. As pressões das forças produtivas instituídas pela classe dominante levam, em função de maior ou menor confiança, o governo a adoção de ações de controle de gastos e políticas neo-liberais para o controle dos déficits gerados.

Tiago da Silva Figueira